Sunday, August 20, 2006
Fora de prazo
Hoje de manhã abri a embalagem de fiambre de peito de peru que tenho no frigorífico para fazer a sande que como ao pequeno-almoço e/ou lanche. É um hábito que tenho desde tenra idade. Para quê comprar uma sanduíche de queijo ou de outro conduto quando posso fazê-la e levá-la de casa? E o mesmo se passa com o leite. Tenho sempre pacotes de leite em casa e no local de trabalho para suprir a minha dose diária recomendada de cálcio. Voltando à vaca fria, neste caso, ao peru fresco, felizmente, a embalagem contém apenas 10 ou 12 fatias porque, a partir do momento que a abri, tal como a Cinemateca organiza ciclos dedicados a actores e a realizadores, eu entrei, forçosamente, no ciclo do fiambre de peru. Até a última fatia me atravessar o esófago, as minhas sandes são de fiambre, fiambre e fiambre!
Teoricamente, as embalagens e os aditivos químicos deveriam garantir a frescura do produto durante bastante tempo, mas acontece que ao fim do quinto dia, as fatias começam a ganhar lividez e encarquilham. É uma corrida contra o tempo...
Eu, o meu frigorífico e os retalhistas, secundados por muitas empresas de produtos alimentares organizamos outros ciclos. A semana passada tive os do milho e ervilhas, e antes desses tive o da alface, vivido muito intensamente devido à perenidade desta planta.
Se ainda ao menos tivesse alguém que me fizesse companhia... mas não tenho essa sorte! Sou o produtor, realizador, actor principal, projeccionista e único espectador destes filmes. A alimentação e a gestão da copa são, para mim, os maiores problemas em viver sozinho. É difícil acertar nas proporções quando se cozinha para uma pessoa; suja-se imensa louça na mesma; falta-me imaginação e talento para a lide gastronómica; quase todas as embalagens de produtos alimentares são feitas a pensar em alcateias, nunca em lobos solitários!
Fiscalizo periodicamente a despensa para não deixar expirar nada, porém, há sempre produtos que acabam no caixote do lixo ou são consumidos extemporaneamente. E depois? Desde que não dê a volta à tripa nem leve ninguém ao hospital... A propósito, isto lembra-me um episódio que sucedeu há cerca de três anos. Foi uma das raras ocasiões em que tive comensais em casa. Eu e um amigo decidimos comemorar a iminente paternidade de um colega, companheiro de noitadas e de férias, com um exótico caril de frango. Convidámo-lo a ele e à futura mulher e deitámos mãos à obra para que tudo estivesse pronto quando o casalinho chegasse. Correu tudo bem, as entradas foram devoradas num ápice e o frango estava delicioso. Parabéns aos cozinheiros!
Horas depois, quando punha alguma ordem e limpeza na cozinha, dei por mim a olhar para a saqueta de caril que havia sobrado. Pensei cá para os meus botões:
- Sobrou tão pouco que não vale a pena guardar. Deixa cá ver o prazo de validade...
Caíu-me o queixo quando olhei para a data. Já havia expirado há coisa de 10 anos! Onde é o que o meu amigo teria desencantado aquela relíquia? Terá sido uma herança?
O facto é que usámos aquele caril do milénio passado e ninguém se queixou de nada, muito pelo contrário, o frango foi um êxito! Pouco tempo depois, eu e o meu amigo comentámos que, antigamente, quando o transporte das especiarias era feito por naus, passavam-se anos desde que o caril saía do produtor até chegar à mesa do consumidor. Pois... É do caril!
Thursday, August 17, 2006
Um nó nas tripas
São imensos os elogios tecidos à gastronomia nipónica. Não concordo! É publicidade enganosa! Estive lá, fiz amigos que me recomendaram esta e aquela iguaria e por isso degluti peixe, marisco, doces, chá, carne, cerveja, invertebrados, legumes, frutos, fritos, cozidos, grelhados, nem sequer o fugu, o temível peixe-balão, venenoso e causador de numerosas mortes no Japão, escapou à fúria das minhas papilas gustativas... apesar de tudo, só sei que regressei a Portugal teso como os pauzinhos (waribashi) por que quis provar o máximo de pratos, e descobri que a comida japonesa é uma tortura chinesa!
O peixe cru é sensaborão; perdi a conta dos pratos com sabor a molho de soja; as doses são parcas, demasiado parcas até para quem come pouco. Há, naturalmente, algumas excepções e a apresentação das refeições merece nota vinte na escala do professor Marcelo. A disposição dos alimentos e a paleta de cores dos mesmos é um regalo para a vista. Todavia, os olhos comem mas não saciam a pança!
Há qualquer coisa no meu âmago que me impele a fazer esta e muitas outras experiências. É mais forte do que eu, e não é preciso carimbar o passaporte para abraçar novas experimentações. No último fim-de-semana aproveitei o facto de estar em terra alheia, no Porto, para me submeter a duas especialidades locais: tripas à moda do Porto e francesinha.
Antes disso, porém, um amigo alertou-me para o odor desagradável das tripas. Imaginei que sim e fiquei a pensar se o sabor valia o sacrifício. Não matutei mais nisso até ao dia e hora exactos.
Sábado, 12:00. Em circunstâncias normais seria cedo para almoçar, mas como acordei às seis e tal da manhã para apanhar o comboio, já tinha a barriga a dar horas. Entrei num restaurante e consultei a lista de pratos do dia: bifes de peru, rojões, bacalhau, tripas… Cá estão elas! O preço é simpático, o estabelecimento é acolhedor… Fiz o meu pedido e depeniquei duas fatias de pão de milho enquanto esperava pelas famosas vísceras. Ocasionalmente, vinha da cozinha um pivete que supus tratar-se das tripas. 15 minutos depois os meus receios confirmaram-se. As tripas têm aspecto de dobrada; estão lá os feijões; a dose de arroz; o molho espesso; os bocados de estômago; mas, para mim, isso não passa de camuflagem. A fragância é, no mínimo, desagradável! Sempre que aproximo a colher da boca, torço o nariz e expiro. E o sabor é outra desilusão. É acre! Azedo! Já que os feijões estão a nadar neste caldo infernal - estão contaminados! - aponto as minhas baterias para o arroz, servido numa pequena travessa à parte. Meia hora depois e muitas colheradas engolidas, sinto-me como um miúdo. Orgulhoso por ter comido a papa toda… não foi exactamente toda, mas é como se fosse. Já está… Mas nunca mais me falem em tripas à moda do Porto!
A francesinha tem um nome que lhe faz jus. É um prato de bar/snack com uma apresentação cuidada, é très chic! Tem boas cores, ingredientes diversificados como o pão, o queijo, o bife, as salsichas frescas, a linguiça, o fiambre, o bacon e o molho - dizem os entendidos que o segredo está no molho – para efeitos práticos é uma tosta mista elevada ao superlativo! Apesar de ser uma bomba para o colesterol, soube-me bem melhor do que as tripas.
Não tive tempo para provar o bacalhau à Gomes de Sá. Fica para a próxima, mas já ouvi dizer que há produtos novos nos supermercados indianos e chineses do Martim Moniz.
Tenho de ver isso de perto…
Monday, August 14, 2006
Parque Jurássico
Eduardo Damas cantou Ó Tempo Volta para Trás, Marcel Proust escreveu Em Busca do Tempo Perdido, mas eu, mais prático, decidi assistir a um concerto dos Rolling Stones.
Confesso que os Stones não são a minha banda de eleição e nenhuma das suas músicas está ligada a um momento importante da minha vida. É uma situação que em termos de prazer acústico pode ser descrita como allegro ma non troppo! Comprei bilhete e acedi deslocar-me ao Porto, fazendo uma viagem superior a 300 quilómetros, porque se trata de uma banda com um peso histórico marcante. Mick Jagger & Companhia são, no meu entender, as maiores lendas vivas do Rock & Roll. Algo comparável a Caruso no canto lírico, Pelé no futebol, Amália no fado, Margot Fontaine no ballet, Mário Viegas no teatro e assim por diante. Presenciar o trabalho destes vultos é um privilégio. Por outro lado, tinha alguma curiosidade em regressar ao Porto para, finalmente, conhecer a cidade. As minhas breves passagens pela Invicta, vai para oito ou nove anos, foram no tempo da divina decadência; quando eu e um amigo decimos mudar de ares e, por isso, rumámos ao norte. Ficámos a conhecer o Anikibobó, o Mau Mau, os bares e as esplanadas da Ribeira, o Indústria, a Meia Cave, o Hard Club… apenas isso e algumas pensões de má categoria que sob a anestesia da noite não nos pareciam tão más.
Por coincidência, até a CP colaborou nesta viagem nostálgica ao arranjar-me um lugar de costas para o sentido da marcha… a paisagem da minha janela pertence ao passado dos passageiros que vão a olhar para a frente. Terá sido acaso ou obra do destino?
Passando adiante a peripécia de conseguir um quarto para passar a noite, a degustação dos vinhos do Porto, a gastronomia local e as voltinhas que tinham os tais oito ou nove anos de atraso, chego ao estádio do Dragão.
As portas são abertas e os espectadores começam a entrar… Nesse momento, olho para o bilhete e lembro-me de que tenho a opção de ir para o relvado B ou ficar no topo, de frente para o palco… o que não é mau de todo. A minha mente é invadida por cogitações e medidas agronométricas. Devo ficar onde estou ou invadir o relvado? Estou aqui tão bem, sentado e com uma perspectiva perfeita, além disso, li algures que o palco é móvel e aproxima-se a cerca 25 metros da minha cadeira, que nesta altura já me parece uma poltrona. Hummm... Percebi que não sou o único com o mesmo dilema e dois portuenses com sotaque carregado esclarecem as minhas dúvidas: “Espera aí, carago! Bamos alapar aqui. Assim ebitamos a confusão lá de baixo, com os empurrões e o carago e não lebamos com o bafo do som.” Eu não diria melhor! Já fui carrinho de choque humano em anos anteriores.
A moldura humana é sui generis. Já presenciei três gerações de fãs da mesma família, embora, na maioria dos casos, a última geração venha ao concerto por obrigação/frete... Mesmo assim, não deixa de ser um fenómeno. Os Rolling Stones têm 40 anos de actividade; muitos dos fãs da velha guarda, vou chamá-los Homo Rockus, tornaram-se Homo Normalis. São pessoas vulgares, como o meu vizinho, perderam cabelo, ganharam barriga, vestem t-shirts pretas e bebem quantidades absurdas de cerveja. Os mais endinheirados trocaram a cidade pelos arrabaldes, compraram moto e dizem-se rebeldes. Pois, pois, revoltaram-se contra as estradas nacionais e preferem a auto-estrada com via verde e dizem que no tempo deles é que era uma loucura.
Pelas 22 horas, mais coisa menos coisa, as figuras escanzeladas dos Rolling Stones sobem ao palco. O entusiasmo é contagiante, com um repertório para alfa e ómega.
Impressiona-me a forma física com que Mick Jagger, tal como um Francis Obikwelu, corre o palco de este a oeste; dança sensualmente, como o fazia nos anos setenta; papagueia palavras em português, para delírio dos tugas, que reage com “às, us, iés”; a banda cumpre a função e o espectáculo inclui muito fogo-de-artifício nos sentidos figurado e literal. Sinto-me cheio, mais rico, satisfeito e hasteio a minha bandeira branca muitos antes de ouvir o Satisfaction ao vivo. Foi para isto que vim.
Eu estive lá!
Thursday, August 10, 2006
Mais ou menos assim assim
Hoje acordei mal disposto. Não sei se foi obra do repasto de ontem à noite; do calor… que convidou àbejeca; do pouco tempo passado nos braços de Morfeu, alguma coisa foi e agora encontro-me, tal como um condenado, a contar o tempo que me falta para cumprir a pena. Duas horas e meia é o meu castigo. Assim que receber a ordem de soltura, vou a correr para casa, dispo-me, tomo banho, bebo leite e como qualquer coisita para enganar o estômago. Na realidade, isto não passa de liberdade condicional porque amanhã tenho de voltar e picar o ponto… de preferência, com outra disposição e produtividade.
Além da moléstia, que só por si me deixa um pouco apático, custa-me responder à pergunta sacramental que todos os meus colegas e amigos me fazem: “Tudo bem? “
O que é que faço? Se digo que não me sinto bem, vão querer saber o motivo. É natural, são amigos e preocupam-se com o meu bem-estar, mas, por outro lado, não me apetece falar. Dilema!
Está decidido, responderei sinceramente ao “tudo bem?” a apenas algumas pessoas. As restantes terão de se contentar com o “vou andando” ou algo parecido. No fundo, estou a exercer a minha nacionalidade. A lusofonia é riquissíma em palavras / frases que não adiantam rigorosamente nada, perfeitas para este tipo de situação. Temos o “assim assim”, o “vou andando”, o “mais ou menos”, o “podia estar melhor”, o “escapatório”, o pós moderno “tá-se”, as opções são numerosas.
Hoje acordei mal disposto. Não sei se foi obra do repasto de ontem à noite; do calor… que convidou àbejeca; do pouco tempo passado nos braços de Morfeu, alguma coisa foi e agora encontro-me, tal como um condenado, a contar o tempo que me falta para cumprir a pena. Duas horas e meia é o meu castigo. Assim que receber a ordem de soltura, vou a correr para casa, dispo-me, tomo banho, bebo leite e como qualquer coisita para enganar o estômago. Na realidade, isto não passa de liberdade condicional porque amanhã tenho de voltar e picar o ponto… de preferência, com outra disposição e produtividade.
Além da moléstia, que só por si me deixa um pouco apático, custa-me responder à pergunta sacramental que todos os meus colegas e amigos me fazem: “Tudo bem? “
O que é que faço? Se digo que não me sinto bem, vão querer saber o motivo. É natural, são amigos e preocupam-se com o meu bem-estar, mas, por outro lado, não me apetece falar. Dilema!
Está decidido, responderei sinceramente ao “tudo bem?” a apenas algumas pessoas. As restantes terão de se contentar com o “vou andando” ou algo parecido. No fundo, estou a exercer a minha nacionalidade. A lusofonia é riquissíma em palavras / frases que não adiantam rigorosamente nada, perfeitas para este tipo de situação. Temos o “assim assim”, o “vou andando”, o “mais ou menos”, o “podia estar melhor”, o “escapatório”, o pós moderno “tá-se”, as opções são numerosas.
Wednesday, August 09, 2006
O meu popó é azul
Há dias, enquanto eu e uns colegas apreciávamos algumas viaturas estacionadas na garagem da empresa, reparámos na monotonia cromática que imperava naquele local. Provavelmente, para cima de cinquenta por cento dos automóveis ali expostos eram cinzentos. Cinzento claro, cinzento carregado, cinzento a cair para o prateado, cinza beata... este fenómeno cinzentão espraia-se pelas nossas estradas, passeios e parques de estacionamento, fazendo do país uma verdadeira mancha cinzenta.
Porquê? O que o cinzento terá de especial para merecer a preferência nacional? Será por uma questão de (falta de) afirmação? Era a única tonalidade disponível para entrega imediata no concessionário? Disfarçará melhor as camadas de pó e as matériais fecais expelidas pelos pombos e outras aves urbanas?
Não consegui descortinar a razão, se é que a há... mas o meu carro, que tão pouco circula, é azul. Não o escolhi para ser diferente da massa cinzenta, que neste caso não é necessariamente sinónimo de inteligência; tenho poucas roupas em tons de azul; não faço a associação das cores aos clubes; enfim, gosto da cor e pronto... e cinzento é que não!
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