Monday, August 14, 2006

Parque Jurássico


Eduardo Damas cantou Ó Tempo Volta para Trás, Marcel Proust escreveu Em Busca do Tempo Perdido, mas eu, mais prático, decidi assistir a um concerto dos Rolling Stones.
Confesso que os Stones não são a minha banda de eleição e nenhuma das suas músicas está ligada a um momento importante da minha vida. É uma situação que em termos de prazer acústico pode ser descrita como allegro ma non troppo! Comprei bilhete e acedi deslocar-me ao Porto, fazendo uma viagem superior a 300 quilómetros, porque se trata de uma banda com um peso histórico marcante. Mick Jagger & Companhia são, no meu entender, as maiores lendas vivas do Rock & Roll. Algo comparável a Caruso no canto lírico, Pelé no futebol, Amália no fado, Margot Fontaine no ballet, Mário Viegas no teatro e assim por diante. Presenciar o trabalho destes vultos é um privilégio. Por outro lado, tinha alguma curiosidade em regressar ao Porto para, finalmente, conhecer a cidade. As minhas breves passagens pela Invicta, vai para oito ou nove anos, foram no tempo da divina decadência; quando eu e um amigo decimos mudar de ares e, por isso, rumámos ao norte. Ficámos a conhecer o Anikibobó, o Mau Mau, os bares e as esplanadas da Ribeira, o Indústria, a Meia Cave, o Hard Club… apenas isso e algumas pensões de má categoria que sob a anestesia da noite não nos pareciam tão más.
Por coincidência, até a CP colaborou nesta viagem nostálgica ao arranjar-me um lugar de costas para o sentido da marcha… a paisagem da minha janela pertence ao passado dos passageiros que vão a olhar para a frente. Terá sido acaso ou obra do destino?
Passando adiante a peripécia de conseguir um quarto para passar a noite, a degustação dos vinhos do Porto, a gastronomia local e as voltinhas que tinham os tais oito ou nove anos de atraso, chego ao estádio do Dragão.
As portas são abertas e os espectadores começam a entrar… Nesse momento, olho para o bilhete e lembro-me de que tenho a opção de ir para o relvado B ou ficar no topo, de frente para o palco… o que não é mau de todo. A minha mente é invadida por cogitações e medidas agronométricas. Devo ficar onde estou ou invadir o relvado? Estou aqui tão bem, sentado e com uma perspectiva perfeita, além disso, li algures que o palco é móvel e aproxima-se a cerca 25 metros da minha cadeira, que nesta altura já me parece uma poltrona. Hummm... Percebi que não sou o único com o mesmo dilema e dois portuenses com sotaque carregado esclarecem as minhas dúvidas: “Espera aí, carago! Bamos alapar aqui. Assim ebitamos a confusão lá de baixo, com os empurrões e o carago e não lebamos com o bafo do som.” Eu não diria melhor! Já fui carrinho de choque humano em anos anteriores.
A moldura humana é sui generis. Já presenciei três gerações de fãs da mesma família, embora, na maioria dos casos, a última geração venha ao concerto por obrigação/frete... Mesmo assim, não deixa de ser um fenómeno. Os Rolling Stones têm 40 anos de actividade; muitos dos fãs da velha guarda, vou chamá-los Homo Rockus, tornaram-se Homo Normalis. São pessoas vulgares, como o meu vizinho, perderam cabelo, ganharam barriga, vestem t-shirts pretas e bebem quantidades absurdas de cerveja. Os mais endinheirados trocaram a cidade pelos arrabaldes, compraram moto e dizem-se rebeldes. Pois, pois, revoltaram-se contra as estradas nacionais e preferem a auto-estrada com via verde e dizem que no tempo deles é que era uma loucura.
Pelas 22 horas, mais coisa menos coisa, as figuras escanzeladas dos Rolling Stones sobem ao palco. O entusiasmo é contagiante, com um repertório para alfa e ómega.
Impressiona-me a forma física com que Mick Jagger, tal como um Francis Obikwelu, corre o palco de este a oeste; dança sensualmente, como o fazia nos anos setenta; papagueia palavras em português, para delírio dos tugas, que reage com “às, us, iés”; a banda cumpre a função e o espectáculo inclui muito fogo-de-artifício nos sentidos figurado e literal. Sinto-me cheio, mais rico, satisfeito e hasteio a minha bandeira branca muitos antes de ouvir o Satisfaction ao vivo. Foi para isto que vim.
Eu estive lá!

1 comment:

Warrior Princess said...

Foi certamente um momento único! Não só pelo peso que têm os Rolling Stones, mas também, por toda a envolvência... a forma como a descreves, espelha bem isso! Fizeste lindamente em decidir... estar lá!