É raro falar com a minha amiga Jun, mas sempre que o faço, fico na expectativa de ser surpreendido por uma notícia bombástica.
Nem sempre foi assim. Quando a conheci, há três anos, ela, para mim, era uma pessoa um pouco previsível, simpática, aberta, muito afável e culta; via-a como uma formiga chinesa em Tóquio, não obstante da sua educação superior e das suas funções de executiva na indústria farmacêutica, era uma pessoa "normal" - se é que tal existe - sedentária, dada a poucas aventuras e raramente saía.
Se me recordo, Jun encontrava uma fuga à rotina do quotidiano nas viagens que fazia à China, ora por motivos profissionais ora por ocasião das férias, altura essa que aproveitava para visitar a família. Foi numa destas deslocações que Jun se envolveu emocionalmente com um patrício, um chinês.
Os seus pais, porém, reagiram mal a esta relação. Enquanto a filha tinha um emprego estável e bem remunerado num país próspero, o futuro genro, recém-licenciado, sem fortuna nem negócio de família para cuidar, não apresentava quaisquer "garantias". Provavelmente, imaginavam-na casada com um médico ou empresário japonês... O mundo não é tão diferente como nós o pintamos.
A minha amiga estava decidida e à terceira viagem/miniférias com a "cara metade", Jun anunciou à família que pretendia/iria casar com o namorado. Uma notícia que provocou um verdadeiro terramoto! Mal refeitos do choque, pouco tempo depois sentiram a réplica: Jun deixara o seu emprego (em Tóquio) para ajudar o marido a lançar o seu negócio (em Xangai).
Já se passou um ano e a empresa familiar teima em prosperar. Vai andando, paulatinamente... O que não se percebe porque o produto, supostamente, tinha o toque de Midas e era à prova de fracasso. Trata-se da venda de papel amigo do ambiente, biodegradável e reciclável, feito a partir de rochas. Uma coisa muito à frente!
Eu, se não fosse um pobretanas, era capaz de alinhar no esquema...
Mas sejamos sinceros, em tempos de crise, quem é pensa no ambiente?
O único verde que nos interessa é o das notas na nossa carteira.
Desde então, pouco ou nada mudou, mas Jun surpreendeu-me com duas notícias. A primeira é linda, espectacular e ao mesmo tempo previsível: está em “estado de graça”! Grávida!
Está de cinco meses e radiante. Também estou muito feliz por ela.
A segunda novidade é a incógnita do sexo do “rebento”. Jun já fez vários exames, incluindo ecografias, mas segundo a lei chinesa, o hospital está interdito de lhe revelar o sexo da criança.
Cada casal (chinês) só pode ter um filho. É certo e sabido que nos meios rurais preferem “rapazes”, não só por uma questão cultural, mas também porque os homens podem ajudar mais (no trabalho pesado). Se sabem que lhes vai sair uma menina, há pais que podem ter “ideias erradas".... daí a lei do sigilo.
Jun não se coíbe de criticar o “sistema”, mas fá-lo com a devida delicadeza. Subscrevo-a sem reservas, mas por outro lado, ela sabe que esta guerra passa-lhe um pouco ao lado porque ela é “meio japonesa”. O seu passaporte confirma-o. Pode ter dois, três, quatro filhos... a prole que bem entender!
Felicidades, Jun!
Friday, April 03, 2009
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